sexta-feira, 16 de abril de 2010

O silêncio dos conscientes

O governo Lula está em seu último ano, mas no pensamento de muita gente parece que o tempo não passou. Quem o idolatrava desde antes se dividiu em dois grupos. O maior é o dos que perdoam tudo por causa de sua popularidade, que seria sustentada basicamente pelos programas sociais, e acham que ele fez mais que podia. O grupo menor é o dos que se sentem frustrados porque ele não fez o que prometeu durante 20 anos e, em especial, viram que a corrupção continua à toda. Nenhum dos dois grupos mudou seu modo de pensar, mesmo diante dos fatos. Os fãs dizem que ele fez o primeiro governo na história a olhar para os pobres. Os traídos resmungam, mas não reconhecem que estavam errados quando diziam que o PT não era nem cínico nem corrupto.

A paralisia mental não é só dos antigos apoiadores, que se diziam e ainda se dizem “de esquerda”, embora o próprio Lula já não se diga. É também dos que antes o repudiavam. Neste caso, a maioria simplesmente diz que Lula mudou para melhor – ou seja, não incomodou o mercado, até o ajudou bastante – e desdenha a questão ética, afinal todos os políticos são assim mesmo, no Brasil e no mundo. Nesta maioria está a maioria dos brasileiros, que antes só lhe davam 30% dos votos e hoje o aprovam em 73% porque a economia melhorou, o desemprego caiu, a nação tem sido elogiada, etc. E há uma minoria, “de direita”, que critica o governo Lula quase sempre de um ponto de vista personalista, que o xinga de analfabeto e autoritário e acha que todo o sucesso de seu governo foi concebido antes dele ou a despeito dele.

Os fatos, como diria lorde Keynes, deveriam ter mudado essas ideias. Intelectuais conhecidos chegaram a dizer que o escândalo do mensalão, por exemplo, era uma crise “sem importância”. Mas um sujeito e um partido que constroem sua fama em torno da palavra “ética” devem ser no mínimo cobrados de modo igual. No entanto, a sucessão de falcatruas multipartidárias e a mise-en-scène da Polícia Federal anestesiaram a indignação. O conluio com o PMDB de Sarney et caterva, que na semana passada derrubou a ação popular que queria proibir candidatos com ficha suja, não os leva às tribunas de protesto. A impunidade de Waldomiros e Delúbios não gera manifestos e passeatas. Já os articulistas que sempre pintaram Lula como camarada-mor do socialismo democrático e agora se queixam, como que surpresos, não conseguem entender que não tenha mudado o “modelo econômico”.

Lula sempre disse que mudaria o tal modelo, mas o maior trunfo de seu governo foi não ter mudado, ou melhor, foi tê-lo aprimorado. Câmbio flutuante, superávit primário, metas de inflação e aumento das reservas seguiram com apuro ainda maior, para alegria de FMIs e agências de investimentos, graças à autonomia branca concedida ao BC de Henrique Meirelles. E a política de crédito foi tão superior que se converteu num fator de popularidade mais determinante que o Bolsa Família, outro aprimoramento do que existia. Articulistas tucanos que dizem que o governo FHC foi uma ilha de “racionalidade” em nossa história não querem admitir, mas a aprovação do governo Lula, para desgosto de esquerda e direita, tem tudo a ver com isso – inclusive com o empuxo econômico dado pelas privatizações.

O resultado é que temos um governo muito mal analisado, que por isso mesmo navegou sobranceiro no segundo mandato. Os traídos e os detratores foram se cansando, vergados pelas pesquisas. Aqui e ali, diante de um pequeno escândalo ou outro, ou de algumas recaídas populistas contra a “zelite” e a “imprensa burguesa”, críticas foram feitas, mas sem efeito. Os anos Lula geraram uma pasmaceira geral, calando até os que se diziam conscientes das mazelas nacionais. Nenhuma reforma séria foi a cabo; a renda apenas recuperou o valor de uma década atrás; a maioria continua sem ensino de qualidade, sem esgoto nem justiça, mas pagando impostos absurdos; a ladroeira em todos os níveis passou a ser tratada como deslizes da natureza humana ou meras praxes como caixa 2; a estatização e a defesa de países autoritários voltaram ao discurso; o presidente desdenha das instituições e leis quase todo dia. E quase nada coerente se ouve. Durma-se com um silêncio destes.

(”Sinopse”)

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